Para além do viral, ‘brain rot’ descreve sintomas reais da hiperconexão digital

Para além do viral, ‘brain rot’ descreve sintomas reais da hiperconexão digital

Comportamento pressiona marcas, profissionais da saúde e responsáveis por um olhar mais dedicado ao uso excessivo de telas

Há menos de um ano, a Universidade de Oxford escolheu ‘brain rot’ como a palavra de 2024. Na definição acadêmica, trata-se da sensação de deterioração mental provocada pelo consumo excessivo de conteúdo digital superficial. Entretanto, seu uso não se limita a essa interpretação comportamental. No universo online, brain rot também virou um rótulo estético, associado a vídeos caóticos, absurdos e hiperestimulantes, que viralizam principalmente entre as gerações mais jovens.

O TikTok é palco de grande parte das expressões mais populares desse estilo, como o ‘brain rot italiano’, que são vídeos com personagens gerados por inteligência artificial. Apelidado de Tralalero Tralala, um tubarão com pernas que calça tênis surge em vídeos com narrações em um italiano que a princípio não faz sentido, porém esses conteúdos viralizam entre crianças e adolescentes em plataformas como o próprio TikTok e o Roblox.

Essa estética, no entanto, não é aleatória. Ela funciona como uma representação imagética do próprio fenômeno que denuncia. Isto é, o brain rot é tanto causa quanto consequência, dado que o consumo excessivo de telas e estímulos fragmentados pode afetar a cognição, a atenção e o comportamento e, justamente por isso, conteúdos com essas mesmas características acabam se tornando os mais atrativos para quem já está imerso nesse ciclo.

Vale ressaltar que a expressão, oriunda da internet, ganhou novas camadas de significado, porém não é um termo médico. Para o professor Christian Ingo Lenz Dunker, do Instituto de Psicologia da USP, seu uso como metáfora pode refletir sintomas reais da vida digital. “O cérebro roto vai aparecer como uma espécie de alienação, de impossibilidade de concentração, de impossibilidade de presença em relação ao outro ou até de impossibilidade de produzir uma história. Pode gerar até dificuldade de processar lutos ou despedidas.”

Na avaliação de Dunker, apesar de não possuir validação científica, o termo é equivalente a uma percepção coletiva de esgotamento mental e aponta para uma mudança na forma como nos relacionamos com o próprio estado mental. “Ela já institui uma relação de nós com o nosso cérebro. Ou seja, não sou eu, é o meu cérebro. Não é a minha agressividade, é a minha amígdala; não são os meus afetos, é o meu sistema límbico. Ou seja, esse deslocamento para ‘não sou eu que tenho um problema, mas uma parte autônoma de mim’ aponta para uma espécie de dissociação — que, aí sim, podemos dizer que é um fenômeno clínico bem conhecido.”

Esse mal-estar não se resume apenas ao conteúdo consumido, mas também ao contexto em que ele é consumido. Se, por um lado, o termo se tornou uma estética digital, por outro, ele evidencia um cenário social de sobrecarga cognitiva, solidão e dependência emocional da tecnologia. A pandemia de Covid-19, por exemplo, não só intensificou a exposição às telas como também agravou sentimentos de desconexão social.

Fonte: Propmark
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